sexta-feira, 1 de junho de 2007

Memória e esquecimento


Agora que os exames nacionais se aproximam, os alunos do secundário começam a apreciar o valor da memória no nosso chamado ‘sistema de ensino’, em que capacidade de memorizar e conhecimento são considerados sinónimos… É, no entanto, óbvia a importância da memorização em qualquer tipo de aprendizagem, desde conseguir mover-se numa sala sem bater contra os móveis até ser capaz de memorizar o equivalente a três anos de liceu. Memória implica tanto ser capaz de guardar como utilizar essa informação…

No entanto, nem toda a informação que nos passa pela frente é acumulada! De facto, existem três tipos de memória, que funcionam como um sistema de filtragem que asseguram que apenas informação que é mesmo necessária é acumulada.

O primeiro nível de memória a seguir à memória imediata (que simplesmente nos ajuda a ter uma noção de espaço e de presente) é a chamada memória de curto prazo. Esta memória permite-nos guardar informação durante alguns segundos até minutos. É a memória de curto prazo que nos permite memorizar um número de telefone até o guardarmos na memória do telemóvel. Lembramo-nos por algum tempo, e rapidamente esquecemos outravez. Este tipo de memória é também importante numa actividade sequenciada, por exemplo se estamos à procura das chaves do carro- permite-nos procurar pela sala pois memorizamos, por um curto período de tempo, os lugares em que já procurámos.

Se a informação que estamos a receber é mais importante do que ‘não procurar debaixo do sofá’, então a repetição da informação ou de uma acção pode levar a que esta seja transferida para níveis de acumulação de memória superiores. O tipo de armazenamento mais duradoiro é a chamada memória de longo prazo. Este é um tipo de memória mais permanente, onde podemos guardar informações por um período variável, desde dias até meses, anos ou mesmo uma vida inteira! Tal como a memória de curto prazo, a memória de longo prazo precisa de repetição para ser estabelecida… mas não para ser mantida.

A capacidade dos diferente tipos de memória varia. O limite da memória de curto prazo é normalmente analisado através da capacidade de indivíduos repetirem tantos números quanto possíveis depois de ouvirem uma sucessão aleatória. Normalmente somos capazes apenas de repetir entre 7 a 9 digitos, mais ou menos o equivalente a um número de telefone! No entanto, a nossa capacidade de memorizar informação aumenta extremamente se em vez de aleatória a informação faz algum sentido! Por exemplo, se pedirmos a um jogador professional de xadrez e uma pessoa normal para olharem brevemente para o tabuleiro de um jogo e pedirmos para reproduzirem o que observaram: o jogador professional é capaz de memorizar muitas mais posições- isto porque o seu conhecimento das relações entre as peças e o modo como o jogo funciona é maior. Portanto a nossa capacidade de acumular informação a curto prazo depende bastante noutras informações que já tenhamos acumulado. Isto é provado por uma continuação da experiência anterior: se o jogador professional e o outro indivíduo têm de observar e representar não um tabuleiro em que um jogo esteja a decorrer mas antes um tabuleiro em que as peças estejam distribuídas ao calhas, o jogador de xadrez já não se encontra em vantagem- numa distribuição aleatória de peças, o seu conhecimento anterior não lhe dá nenhuma vantagem.

Finalmente é importante perceber que tão importante como conseguir memorizar é conseguir esquecer. Importante em aprendizagem é a capacidade de seleccionar a informação que é importante, e apagar a que não é. A importância do esquecimento foi analisada em raros indivíduos que apresentam dificuldade em apagar informação. O caso mais conhecido é o estudado pelo psicólogo russo A. Luria, que descreve os seus encontros com o paciente a que chamou de S. Depois de Luria repetir sucessões de números ou palavras, S era capaz de as repetir sem engano, mesmo listas de números que chegavam a 70 elementos! A sua capacidade de memorizar informação de todos os tipos era impressionante! S não era, no entanto, um génio, e a sua incapacidade de esquecer também lhe trazia problemas. Por exemplo, a capacidade de ler um artigo de um jornal e explicar a ideia geral era bastante reduzida. Para uma pessoa normal esta actividade é bastante simples- involve ler o texto rapidamente e decidir quais as partes mais importantes e esquecer ou ignorar as restantes. S, no entanto, tendia a memorizar tudo, e cada palavra parecia criar novas imagens na sua mente que dificultavam o procedimento. Imagens no jornal também dificultavam a actividade- S não as conseguia ignorar e perdia-se numa sucessão de memórias, de tal modo que a análise de uma simples passagem, ou mesmo de uma frase, se tornava impossível!

É claro que excesso de esquecimento pode levar a amnésia, o outro reverso da medalha, mas parece ser óbvio a importância do esquecimento para uma aprendizagem e vida normal…. Que isto não sirva, no entanto, de desculpa para se esquecer de dar os parabéns a alguém!

1 comentário:

Unknown disse...

o texto é bom continua assim.