quinta-feira, 21 de junho de 2007

Bocejar ajuda-nos a arrefecer?

Bocejar é uma daquelas acções semi-voluntárias características não só dos seres humanos como da maioria dos vertebrados… O acto de bocejar é acompanhado de várias modificações fisiológicas e neurológicas, desde o esticar dos músculos até à sensação de prazer associada à libertação de dopamina em certas áreas do cérebro… O bocejar é ainda associado ao aborrecimento, ao acordar e ao adormecer… para além de ter fama de ser contagioso… mais, não só é contagioso para os seres humanos, mas como para qualquer outro animal social com a capacidade de se auto-reconhecer quando confrontado com a sua imagem num espelho…

A ligação entre o bocejar e o ritmo de acordar e adormecer, apesar de parecer óbvia, foi já testada cientificamente. Num artigo publicado este ano um cientista confirma que não só bocejar é mais frequente de manhã cedo e ao fim do dia, como também em pessoas mais “nocturnas”.

O facto de ser contagioso é talvez a questão mais interessante relativamente ao bocejar… Vários cientistas demonstraram que bocejar é contagioso em chimpanzés e macacos, mas que curiosamente os chimpanzés bebés e bebés humanos pequenos não mostram qualquer resposta… Parece que crianças menores do que 5 anos não são sensíveis ao efeito contagiante do bocejar tal como é sentido em pessoas mais velhas… Isto pode estar relacionado com o facto de bocejar parecer estar associado com certas características tais como auto-consciência ou empatia.

Mas porque bocejamos? Existem várias teorias, mas durante a maior parte do século XX acreditava-se que o bocejar funcionava como um mecanismo para equilibrar os níveis de oxigénio e de dióxido de carbono no organismo… Um artigo científico publicado este ano no Evolutionary Psychology Journal, no entanto, sugere uma teoria alternativa, defendendo que o bocejar não é mais do que um mecanismo de termoregulação do cérebro, ou seja, um mecanismo que impede que o cérebro aqueça demasiado… Neste estudo, um vídeo de pessoas a bocejar foi mostrado a vários indivíduos… Curiosamente, apenas os indivíduos que respiravam pela boca mostraram um bocejar contagioso. Os indivíduos aos quais foi pedido que respirassem pelo nariz não bocejaram… O respirar nasal está associado ao controlo da temperatura cerebral. Para além disso, indivíduos nos quais foi colocada uma compressa molhada na cabeça bocejaram significativamente menos do que sujeitos sem nenhuma compressa, ou que uma compressa aquecida… Foi apartir destes resultados que os autores deste artigo sugeriram esta nova teoria- de que o bocejar ajuda a arrefecer o cérebro através do inspirar de ar frio, que arrefece a artéria vertebral e transporta sangue arrefecido para o cérebro… Esta teoria permite também algumas previsões que podem ser testadas… Por exemplo, se a temperatura ambiente se aproxima da temperatura corporal ou a ultrapassa, então o bocejar deve diminuir… isto porque não faz sentido estar a inspirar ar quente que tornaria o cérebro ainda mais quente! Portanto, se vir alguém bocejar, pode ser uma indicação de que é altura de mudar a temperatura do ar condicionado!

Para finalizar gostaria de sublinhar que este programa foi baseado no texto ‘yawning makes you cool’ por Menelaos Symeonides do blog www.theyorf.blogspot.com

Selecção de embriões

O conceito de selecção de embriões é fácil de entender. Após fertilização in vitro vários embriões são produzidos. Pelo menos um desses embriões tem de ser implantado no útero materno para que um bebé nasça (obviamente). A questão é- que embrião escolher? Claro que podíamos escolher um embrião ao calhas, mas não seria útil escolher o melhor dos embriões, ou pelo menos um embrião que não possuísse alguma das doenças genéticas mais perigosas? Tal escolha seria muito útil, principalmente em famílias em que o risco de uma nova criança possuir um gene causador de uma doença problemática, por exemplo fibrose cística, é bastante grande…

O procedimento é possível… mas será ético? Podemos abordar as questões éticas sob várias perspectivas…

Em primeiro lugar existe toda a importante questão: Será ético seleccionar uma criança em detrimento de outra? Certo, talvez estejamos a condenar uma das potenciais crianças à morte, mas tendo em conta que apenas uma criança irá nascer, não será mais positivo garantir que essa criança não sofra de doenças com graves consequências para a sua sobrevivência, ajudando assim não só a criança como também toda a família? Ultrapassando toda a questão sobre onde começa uma vida, seleccionar embriões sem doenças perigosas parece ser considerado positivo por todos… Mas é claro que esta tecnologia pode ser utilizada para outros propósitos…

Muitas crianças com várias doenças morrem por inexistência de um dador compatível… A opção para muitos pais é conseguir ter um outro filho com informação genética compatível, cujas células, nomeadamente as células estaminais do cordão umbilical, possam ser usadas para transplante… Muitos vezes os resultados são negativos e nenhuma criança é nascida a tempo de salvar o irmão ou irmã doente. Uma opção bastante viável é a selecção de embriões compatíveis à criança doente… No entanto isto involve algumas questões… quais as consequências psicólogicas para uma criança que sabe que apenas foi criada para salvar um irmão? É certo que a intenção é boa, mas serão estas crianças vistas como fonte de peças sobreselentes? Por exemplo, se a criança doente precisa de um rim, será ético sujeitar o irmão saudável a tratamentos algumas vezes invasivos e perigosos apenas para salvar outra criança?

Existem também outras questões… E se por exemplo em vez de seleccionar embriões sem certas características estivermos a selecionar embriões com certas características que consideramos favoráveis? É aqui que entra o medo de que a selecção de embriões possa ser usada para criar ‘designer babies’, bebés digamos perfeitos, selecionados não por não terem certas doenças mas por terem certas características desejáveis… É até possível imaginar pais escolherem bebés por catálogo, escolhendo o sexo, cor dos olhos, QI, etc… note-se, ainda não é possível identificar através dos genes muitas dessas características, mas as possíveis consequências de tal selecção são evidentes, por exemplo, no filme GATTACA, que desde já recomendo que seja visto, devido ao seu interesse, mas não levado demasiado à letra. É certo que hoje em dia existe legislação, pelo menos no Reino Unido, que impede selecção de embriões por razões puramente estéticas… É importante, no entanto, reparar que em Maio deste ano, o organismo regulador em Inglaterra permitiu a selecção de uma doença de nome Congenital Fibrosis of the Extraocular Muscles. Esta doença não é progressiva nem reduz o tempo de vida, e as suas maiores consequências são a perda de visão bifocal e o estrabismo. É certo que esta doença genética não tem cura, e as operações são dolorosas e de poucos resultados… mas será correcto rejeitar embriões apenas devido a algo que possa ser considerado apenas como estético? Onde se deve estabelecer a linha entre o que é aceitável e o que é inaceitável?

E não são. Selecção de embriões baseada em critérios puramente estéticos pode levar a segregação social, pois a mensagem que transmite é a de que certas característics, sejam elas a cor do cabelo ou a obesidade, têm menos valor, e como tal devem devem ser apagadas da população… chegando ao ponto de toda uma discussão se parecer demasiado com os argumentos usados pelos nazis para exterminar certos grupos da população!

Enfim, talvez estejamos a levar a discussão aos seus extremos! No entanto, e antes que tudo seja permitido, é importante analisar com cuidado aquilo que deve ou não ser permitido… e qual o modo de utilizar esta tecnologia para permitir crianças mais saudáveis e felizes, e não a criação de uma sociedade ainda mais discriminatória…

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Terapia Genética

O século XXI é o século da genética. Nos últimos anos, desde a descoberta da estrutura do DNA até ao sequenciar do genoma humano, o nosso entendimento dos seres vivos e de nós próprios tem vindo a crescer. De tal modo que novas técnicas a serem desenvolvidas neste momento prometem conseguir mais do que talvez pensássemos ser possível…

Muitas das características dos seres vivos e de nós seres humanos são determinadas geneticamente. Desde a cor dos cabelos até doenças problemáticas. Pois bem, acontece que é agora possível fazer alguma coisa em relação a isso! Das várias opções, o programa desta e da próxima semana vão focar duas opções para reduzir os efeitos de doenças genéticas- através da terapia genética e da selecção de embriões.

Mas falando da terapia genética… A terapia genética nada tem a ver com levar os genes ao psicólogo, mas sim de descobrir maneira de mudar os nossos genes… sim, ouviu bem, de mudar os genes! Algumas doenças genéticas são caracterizadas por um grande número de genes, por exemplo alguns tipos de cancro, e a maior parte deles desconhecidos! Uma doença genética deste tipo é impossível de resolver pela terapia genética. Outras doenças, no entanto, são bastante mais simples no sentido de que são determinadas por apenas um gene, ou pelo menos existe um gene que é responsável pela forma mais perigosa da doença. O que os cientistas querem fazer é muito simples, pelo menos em teoria: criar um gene bom sinteticamente e substituir o gene errado no paciente. É claro que a história é muito mais complicada…

Criar um pedaço de DNA com o gene bom é a parte mais fácil. Hoje em dia a sequência da maior parte desses genes é conhecida, e existem aparelhos com a capacidade de sintetizar DNA com a sequência que quisermos. Este DNA é depois inserido num pedaço de DNA circular a que se dá o nome de plasmídeo. Os plasmídeos têm uma enorme variedade de aplicações, e neste caso garantem estabilidade ao DNA e tornam o seu manuseamento mais fácil. Mas como fazer chegar o gene bom até às células? Bem, em primeiro lugar é importante perceber que o objectivo não é fazer chegar o gene a todas as células do organismo, mas apenas a parte daquelas em que a doença se manifesta, numa percentagem suficientemente alta para reduzir os sintomas. Em segundo lugar apesar de simplesmente injectar o DNA puder ser uma opção, a técnica de introdução mais utilizada são os vírus… sim, sim, ouviu bem, usar vírus! Mas atenção, os vírus são modificados de tal modo a que em teoria não causem infecções perigosas nos pacientes. Mas o maior problema nem é esse. Existem vários problemas associados aos diferentes tipos de vectores que podem ser utilizados para a introdução dos genes, desde a incapacidade do gene ser expresso por longos períodos de tempo, e ter efectivamente resultados, até ao perigo de provocar reacções imunitárias… e que não se pense que estes são apenas perigos teóricos! Em 1999, Jesse Gelsinger, um jovem americano de 18 anos submeteu-se a um tratamento experimental para uma doença genética no fígado bastante complicada. Em algumas horas Jesse desenvolveu uma febre que se pensou ser normal, mas em menos de um dia entro em coma e acabou por morrer. Escusado será dizer que todos os testes para a cura dessa doença por terapia genética ficaram imediatamente suspensos.

No entanto, existem algumas doenças para as quais os testes continuam. A imunodeficiência severa combinada é uma doença genética que impede o organismo de produzir anticorpos. Os pacientes são incapazes de se proteger de qualquer tipo de invasão por bactérias ou vírus, e como tal têm de viver num ambiente esterilizado. Não é pois por acaso que estas crianças (já que raramente sobrevivem até à idade adulta) são conhecidas como crianças bolha. Alguns testes foram realizados, e em 2002 de 14 crianças bolha sujeitas a este tratamento, 10 ficaram curadas da doença. Infelizmente, 2 das 10 crianças desenvolveram leucemia. Isto porque o objectivo ideal é que o gene bom que introduzimos seja transportado não só para dentro da célula mas que seja também inserido no genoma da célula, de modo a ter efeitos mais duradoiros. O que parece ter acontecido nestas duas crianças foi que o gene bom foi introduzido num lugar menos bom, activando a expressão de um gene associado ao cancro. Uma das crianças acabou mesmo por morrer. Em Janeiro de 2005 os testes foram retomados, mas infelizmente outra das 10 crianças desenvolveu também um cancro, pelo que futura investigação parece estar temporariamente suspensa.

Uma outra doença para a qual a terapia genética está em fase de teste em humanos é a fibrose cística. Esta doença, uma das mais comuns doenças genéticas que causam redução do tempo de vida, é causada por um canal de cloro que não funciona bem, causando a problemas na produção de muitos dos mucos do organismo. A consequência mais comum é a produção de um muco demasiado espesso nos pulmões, levando à acumulação de bactérias e o desenvolvimento de doenças respiratórias… Os tratamentos já começaram, mas os resultados até ao momento não têm sido promissores… Uma outra doença em fase de teste é a distrofia muscular progressiva…

A terapia genética é uma opção… mas e se fosse possível impedir que crianças com estas doenças nascessem? Não estou a falar de aborto nem de assassínio, mas imagine que a sua família tem um historial de uma certa doença… E se fosse possível, através da reprodução in vitro obter um número de embriões e seleccionar para implantação apenas aquele em que a doença não existisse? Pois bem, a selecção de embriões será o tema da próxima semana!

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Memória e esquecimento


Agora que os exames nacionais se aproximam, os alunos do secundário começam a apreciar o valor da memória no nosso chamado ‘sistema de ensino’, em que capacidade de memorizar e conhecimento são considerados sinónimos… É, no entanto, óbvia a importância da memorização em qualquer tipo de aprendizagem, desde conseguir mover-se numa sala sem bater contra os móveis até ser capaz de memorizar o equivalente a três anos de liceu. Memória implica tanto ser capaz de guardar como utilizar essa informação…

No entanto, nem toda a informação que nos passa pela frente é acumulada! De facto, existem três tipos de memória, que funcionam como um sistema de filtragem que asseguram que apenas informação que é mesmo necessária é acumulada.

O primeiro nível de memória a seguir à memória imediata (que simplesmente nos ajuda a ter uma noção de espaço e de presente) é a chamada memória de curto prazo. Esta memória permite-nos guardar informação durante alguns segundos até minutos. É a memória de curto prazo que nos permite memorizar um número de telefone até o guardarmos na memória do telemóvel. Lembramo-nos por algum tempo, e rapidamente esquecemos outravez. Este tipo de memória é também importante numa actividade sequenciada, por exemplo se estamos à procura das chaves do carro- permite-nos procurar pela sala pois memorizamos, por um curto período de tempo, os lugares em que já procurámos.

Se a informação que estamos a receber é mais importante do que ‘não procurar debaixo do sofá’, então a repetição da informação ou de uma acção pode levar a que esta seja transferida para níveis de acumulação de memória superiores. O tipo de armazenamento mais duradoiro é a chamada memória de longo prazo. Este é um tipo de memória mais permanente, onde podemos guardar informações por um período variável, desde dias até meses, anos ou mesmo uma vida inteira! Tal como a memória de curto prazo, a memória de longo prazo precisa de repetição para ser estabelecida… mas não para ser mantida.

A capacidade dos diferente tipos de memória varia. O limite da memória de curto prazo é normalmente analisado através da capacidade de indivíduos repetirem tantos números quanto possíveis depois de ouvirem uma sucessão aleatória. Normalmente somos capazes apenas de repetir entre 7 a 9 digitos, mais ou menos o equivalente a um número de telefone! No entanto, a nossa capacidade de memorizar informação aumenta extremamente se em vez de aleatória a informação faz algum sentido! Por exemplo, se pedirmos a um jogador professional de xadrez e uma pessoa normal para olharem brevemente para o tabuleiro de um jogo e pedirmos para reproduzirem o que observaram: o jogador professional é capaz de memorizar muitas mais posições- isto porque o seu conhecimento das relações entre as peças e o modo como o jogo funciona é maior. Portanto a nossa capacidade de acumular informação a curto prazo depende bastante noutras informações que já tenhamos acumulado. Isto é provado por uma continuação da experiência anterior: se o jogador professional e o outro indivíduo têm de observar e representar não um tabuleiro em que um jogo esteja a decorrer mas antes um tabuleiro em que as peças estejam distribuídas ao calhas, o jogador de xadrez já não se encontra em vantagem- numa distribuição aleatória de peças, o seu conhecimento anterior não lhe dá nenhuma vantagem.

Finalmente é importante perceber que tão importante como conseguir memorizar é conseguir esquecer. Importante em aprendizagem é a capacidade de seleccionar a informação que é importante, e apagar a que não é. A importância do esquecimento foi analisada em raros indivíduos que apresentam dificuldade em apagar informação. O caso mais conhecido é o estudado pelo psicólogo russo A. Luria, que descreve os seus encontros com o paciente a que chamou de S. Depois de Luria repetir sucessões de números ou palavras, S era capaz de as repetir sem engano, mesmo listas de números que chegavam a 70 elementos! A sua capacidade de memorizar informação de todos os tipos era impressionante! S não era, no entanto, um génio, e a sua incapacidade de esquecer também lhe trazia problemas. Por exemplo, a capacidade de ler um artigo de um jornal e explicar a ideia geral era bastante reduzida. Para uma pessoa normal esta actividade é bastante simples- involve ler o texto rapidamente e decidir quais as partes mais importantes e esquecer ou ignorar as restantes. S, no entanto, tendia a memorizar tudo, e cada palavra parecia criar novas imagens na sua mente que dificultavam o procedimento. Imagens no jornal também dificultavam a actividade- S não as conseguia ignorar e perdia-se numa sucessão de memórias, de tal modo que a análise de uma simples passagem, ou mesmo de uma frase, se tornava impossível!

É claro que excesso de esquecimento pode levar a amnésia, o outro reverso da medalha, mas parece ser óbvio a importância do esquecimento para uma aprendizagem e vida normal…. Que isto não sirva, no entanto, de desculpa para se esquecer de dar os parabéns a alguém!