sexta-feira, 27 de abril de 2007

Sistema de orientação dos morcegos

Acabei à pouco tempo de ler ‘Drácula’, de Bram Stocker, o que inevitavelmente me fez sonhar algumas noites com morcegos… daqueles que chupam sangue. Claro que existem nesta história várias coisas a clarificar. Em primeiro lugar os famosos morcegos chupadoresde sangue na verdade não chupam sangue nenhum. De um modo ágil e leve são capazes de se alimentar do sangue de vacas, cavalos, porcos e aves, e até ocasionalmente humanos, sem danificar a chamaremos vítima de modo excepcional. Simplesmente causam uma pequena picada com os dentes e removem algum sangue com a língua. Fazem-no de modo tão singelo que um animal pode chegar a passar 30 minutos sem se aperceber que tem um morcego a alimentar-se do seu sangue!

No entanto, hoje não vamos falar de morcegos vampiros. Para além destes existem muitos outros tipos de morcegos com dietas bem diferentes. Existem, por exemplo, morcegos que se alimentam de fruta. Hoje especificamente estes morcegos não nos interessam. Como se alimentam de fruta, caracterizada pelas suas cores atractivas, estes morcegos usam uma visão normal quando procuram comida. Bem mais interessantes são os morcegos insectívoros, ou seja, morcegos que se alimentam de insectos. A característica interessante destes morcegos é a de possuírem um sonar, que lhes permite alimentarem-se de insectos activos apenas à noite. Alimentarem-se de tais insectos é muito bom, pois raros são os outros predadores capazes de explorar estas presas.

O sistema sonar dos morcegos insectívoros é extremamente interessante, especialmente porque pode até parecer que os morcegos sabem engenharia! Por isso o Biocuriosidades de hoje vai falar sobre o sistema de comunicação dos morcegos insectívoros!

De modo a tornar a explicação mais interessante, vou apresentar um conjunto de 4 problemas que os morcegos têm de resolver de modo a serem capazes de caçar à noite. E para cada problema irei apresentar a solução que um engenheiro daria, e a solução que a evolução dos morcegos ao longo de milhar de anos desenvolveu!

O primeiro problema é obviamente a falta de luz. Um engenheiro pode sugerir 3 soluções: produzir luz, caçar de dia (o que não é uma opção para o morcego, já que os insectos de que se alimenta estão disponíveis à noite apenas) ou usar um radar, ou seja, um sistema de navegação alternativo à visão. Os morcegos ficaram-se pela última opção e usam um sistema de radar que é único em animais terrestres (ainda que comum em animais aquáticos como as baleias).

Portanto os morcegos usam ondas sonoras para se orientarem- soltam digamos que um grito e esperam pelo eco para lhes dar informação do que se passa à sua volta. Um important factor é saber a frequência desses sons. O nosso engenheiro sugere uma frequência alta de modo a obter eco de qualidade. O nosso morcego segue a sugestão. Os morcegos emitem sons com uma frequência de 20 000 Hz ou mais. Isto porque a maior parte dos sons no mundo à nossa volta têm uma frequência inferior a 20 000 Hz. Por isso, basicamente, os morcegos vivem num mundo de silêncio excepto para os sons emitidos por si mesmo. Para além disso, cada espécie de morcego irá emitir sons numa frequência característica, de modo a diminuir confusões geradas pelas emissões de outros tipos de morcegos. Esta característica é extremamente útil na identificação de espécies.

A questão seguinte é saber quantas vezes emitir esses sons por cada unidade de tempo. O engenheiro argumenta e muito bem que quanto maior a frequência maior a quantidade de informação obtida sobre o meio. No entanto, a quantidade de energia usada é também maior. Os morcegos resolvem o problema de maneira engenhosa: quando estão simplesmente a movimentar-se e a obter uma visão geral do mundo, emitem sons a cerca de 10 emissões por segundo. Quando estão no acto de caçar, no entanto, as emissões sobem para 200 emissões por segundo, garantindo uma visão detalhada essencial para a captura da presa.

E qual a intensidade do som? O som tem de ser obviamente bastante alto, já que o eco tende a ser 2000 vezes mais fraco do que o som original. Para além disso os morcegos têm ouvidos muito sensíveis, de modo a detectar mesmo os ecos mais fracos. No entanto isto apresenta obviamente um problema- os sons muito altos emitidos podem danificar os ouvidos ultrasensíveis. Um engenheiro sugeriria que o receptor fosse desligado antes do som ser emitido, e é isso que os morcegos fazem. Quando os sons são emitidos, os ouvidos dos morcegos tornam-se menos sensíveis pela contracção automática de um músculo específico no ouvido do morcego.

Mas tudo isto não explica o modo como os morcegos conseguem obter informação acerca do que se passa à sua volta apenas a partir apenas do eco. Na verdade, os morcegos exploram essas ondas sonoras ao máximo. De modo a retirar tanta informação quanto possível. O intervalo de tempo entre a emissão do som e a chegada do eco, por exemplo, informa sobre a distância entre o morcego e a sua presa. O ângulo de chegada do som, por outro lado, é capaz de indicar o tamanho do insecto a ser caçado. Os morcegos utilizam também a diferença de tempo entre a chegada do som a um ouvido e a outro como uma indicação da direcção da presa. Finalmente, a interferência entre o eco no topo e no fundo das orelhas (caracteristicamente longas no caso dos morcegos) pode fornecer informação sobre a elevação relativa entre presa e predador.

Baseado no capítulo 2 ('Good design') do livro 'The Blind Watchmaker' de Richard Dawkins

1 comentário:

Não fui eu disse...

Post muito interessante que consegue fazer a ponte entre a necessidade biológica do animal e as caracteríticas que lhe permitem satisfazer essa necessidade.
Queria apenas corrigir o artigo na medida em que refere-se a um sistema de navegação referindo-o como RADAR
(RAdio Detection And Ranging) quando deveria ser SONAR (SOund Navigation And Ranging).(Duvido que um animal conseguisse a partir das estruturas actuais interpretar sinais de radio devido ao seu grande comprimento de onda...)

Seria agradavel ler uma explicação deste facto mais direccionada com a sua área de estudo em que talvez dissertasse um pouco sobre evolução convergente e estruturas homologas/homoplastas.

Continue a escrever!

Fcondessa