quinta-feira, 26 de abril de 2007

Os dentes e o esforço de guerra

Quando pensamos em esforço de guerra e acções bélicas, vêm-nos logo à ideia imagens de tanques, armas, bombas, mísseis, etc. Mas então e os dentes? Ok, não estou propriamente a falar de ganhar uma guerra mordendo o adversário até à morte… no entanto, na revista New Scientist de 10 Março vem um artigo interessantíssimo que mostra como dentes saudáveis podem ser mais importantes, até para generais, do que pode parecer à primeira vista…

O artigo fala-nos do exército inglês. Aparentemente durante o século XVII e séculos posteriores, possuir bons dentes parecia ser essencial para um soldado- os cirurgiões do exército levavam consigo instrumentos para remover dentes, e os critérios de entrada no exército especificavam a qualidade dentária que um soldado deveria ter. E, de facto, para certos tipos de soldado tais critérios eram essenciais. Um mosqueteiro (dos que usavam o mosquete, não os de capa e espada) precisavam por exemplo de bons dentes frontais de modo a poder puxar rapidamente a tampa de madeira das bolsas com pólvora antes de a usarem para carregar as suas armas…

O problema é que no século XIX o exército substituíu as antigas granadas e mosquetes por armas mais sofisticadas, e a qualidade dos dentes deixou de ser um critério de selecção… e isto ao mesmo tempo em que a quantidade de açúcar consumida aumentou… com consequências lógicas… De início nenhuma importância foi dada a doenças dentárias nos soldados, mas com o tempo generais começaram a aperceber-se de que estas podiam ser tão importantes numa campanha militar como outras doenças infecciosas.

O efeito mais óbvio foi durante a guerra entre Inglaterra e a República Bóer Sul africana. Os britânicos acreditavam que a guerra iria acabar rapidamente, mas uma série de derrotas em Dezembro de 1899 obrigou o envio de mais tropas. E a pressa foi tal que nem a inspecção mínima foi feita aos dentes dos soldados… Assim, durante a guerra os ingleses enfrentaram 3 grandes inimigos: os Boers, doenças como a febre tifóide e a disenteria… e a queda dentária. Os médicos do exército não possuíam técnicas nem meios para tratar dentes, e os soldados eram forçados a arrancar os seus próprios dentes, ou a encher as cavidades corridas com tudo o que encontrassem, desde tabaco, a borracha de botas. Mas nada feito.

Há medida que a qualidade dos dentes decaía, os soldados começaram a aperceber-se que não conseguiam comer: o tipo de duro biscoito e outros tipos de alimentos dados ao exército eram claramente demasiado para os fracos dentes dos soldados. De tal modo que um oficial reportou aos seus superiores que mesmo soldados com uns dentes em condições mais ou menos razoáveis nunca saberiam se os primeiros a desaparecer numa refeição seriam os dentes ou o biscoito!

E assim veio a grande ironia- depois de outras guerras ganhas com esforço por causa de falta de cuidados médicos ou de higiene, os ingleses esmeraram-se na introdução de condições de higiene, nas anestesias, nos antisépticos, na recruta de centenas de cirurgiões em 10 hospitais de campo… e apesar disso os homens continuavam a morrer devido à incapacidade de se alimentar com as rações militares!

O primeiro a fazer alguma coisa acerca do problema foi Frederick Newland Pedley, um famoso dentista inglês que se ofereceu para partir para a guerra para curar maxilas partidas devido a balas inimigas, e acabou a tratar dentes e dentes que nada tinham a ver com ataques do outro lado. E isto tendo de pagar todo o equipamento, viagem, etc, já que o exército continuava a não admitir a importância de dentistas numa guerra.

E os números são impressionantes. Durante a guerra dos boers, 8000 homens foram perdidos nas batalhas. Igual número morreu de doenças dentárias. Para além disso, cerca de 2000 tiveram de ser evacuados por causa de problemas nos dentes e 5000 tiveram de ser considerados inaptos porque não existiam dentaduras para substituir os dentes perdidos!

Depois de 6 meses na guerra, Pedley voltou a Londres determinado a criar um corpo de dentistas militares. Apenas 4 foram enviados para África…

A guerra dos Boers acabou em 1902. Quando a primeira guerra mundial começou 12 anos mais tarde, o exército inglês ainda não tinha dentistas… e os mesmos problemas voltaram a acontecer. Durante a desastrosa campanha de Gallipoli em 1915, por exemplo, 600 homens de uma única divisão de companhia tiveram de ser evacuados por causa dos seus dentes!

Eventualmente o exército arranjou o seu corpo de dentistas… e porquê? Por razões óbvias- um Comandante do exército inglês em França teve dores de dentes, e o exército viu-se obrigado a chamar um dentista de Paris! Uma dúzia foram então chamados ao serviço, e por volta de 1928 já existiam cerca de 813. Só anos mais tarde, no entanto, teve o exército o seu corpo oficial de dentistas…

Enfim não se pode subestimar nem as mais pequenas contribuições para o esforço de guerra… nem a vantagem de ter um oficial superior com as mesmas mazelas!


Baseado no artigo 'Can't bite, can't fight', em New Scientist de 10 Março, 2007

1 comentário:

Anónimo disse...

tenho a honra de ser a primeira ouvinte a dar a sua opinião.
gosto muito do programa e ouço sempre que posso.
continuação de bom trabalho
Fernanda vicente