sexta-feira, 4 de maio de 2007

A Varíola e Catarina da Rússia


A varíola é uma doença causada por um virus que muitas vezes no passado foi confundido com a varicela devido à semelhança de sintomas. A varíola começa com sintomas semelhantes aos da gripe. Dois ou três dias mais tarde a febre decresce e o paciente sente-se melhor, mas as postulas caracteristicas da doenca comecam a aparecer...

Desde a sua origem, provavelmente à cerca de 3,000 anos na região do Egipto ou India, até 1980 quando foi considerada erradicada, a variola foi uma das mais devastadoras doenças, e repetidas epidemias foram responsáveis pela morte de populações inteiras... De facto, em algumas antigas culturas o efeito devastador da varíola, principalmente em crianças, fez com que nenhum recém nascido com a doenca pudesse ser registado e um nome atribuído até que provasse ser capaz de sobreviver...

E não era uma doença que afectasse apenas os pobres e desfavorecidos. A varíola foi responsável pela morte de importantes personalidades, incluindo a rainha Maria II de Inglaterra, o Czar Pedro II da Russia e o rei Luis XV de Franca...
E quando a doençaa não causava a morte dos pacientes podia ter outras consequências negativas, a mais importante das quais a cegueira...

É pois normal que alguém tão importante como a Imperatriz Catarina da Rússia se preocupasse com a doença, não só em termos da sua saúde e da do seu filho, como a da populacao da Rússia, onde uma recente epidemia havia morto 20,000 russos na Sibéria. E de qualquer forma uma das suas ambições era a modernização da medicina russa, e uma doença que causava 1 em cada 10 mortes no continente europeu era um bom começo. O problema é que a medicina moderna no país era praticamente inexistente. Solução? Obter ajuda de Inglaterra, onde a inoculação do vírus, em prática desde 1720 com grande sucesso, e com uma fatalidade de apenas 1%...

O médico chamado à Russia era o Dr.Dimsdale, um dos mais bem sucedidos e ricos inoculadores do pais, e que portanto não precisava de dinheiro, nem sucesso, e muito menos de complicações como uma viagem horrorosa ao longo do continente até São Petesburgo.

Os russos conseguiram, no entanto, ser bastante persuasivos, especialmente monetáriamente, e portanto a 28 de Julho de 1768 Dismdale e o seu filho partiram para a Rússia, apenas para descobrir a chegada que a sua tarefa essencial era a inoculação da Imperatriz e do seu filho primogénito. Uma notícia como esta poderia ter assustado de morte qualquer médico... Afinal, quais as consequências se as coisas corressem mal? E isto num país em que inoculação era considerada algo demoníaco, e em que se acreditava que os pacientes dos quais a substância a inocular era removida morriam com toda a certeza...

Bem, Dimsdale não deixou as coisas ao acaso... Em primeiro lugar testou a inoculação em menos reais vítimas. Estas tentativas tiveram resultados desanimadores. Basicamente ninguém desenvolvia as postulas características da doença (sinal de que o organismo estava a reagir ao virus e a desenvolver defesas).

Mas a imperatriz não se deixou demover, e a um domingo, 12 de Outubro, foi inoculada... numa semana a imperatriz havia desenvolvido as características postulas e a 28 de Outubro estava totalmente recuperada e de volta a corte. Apesar da sua confianca no sucesso da inoculação, Dimsdale não deixou as coisas ao acaso, e diz-se que no dia da operação tinha uma carruagem e cavalos prontos, só para o caso de as coisas correrem mal e uma saida apressada ser necessária...

Mas felizmente tudo correu bem, e inoculações foram feitas por toda a Rússia com grande sucesso. E as coisas também resultaram bem para o Dr Dismdale, que acabou com um título de barao, 10,000 libras de pagamento e um lugar de honra na história da Rússia. O agora barão Dismdale voltou a Inglaterra ainda mais célebre do que antes, e tão rico que deixou a medicina e decidiu abrir um banco...

Finalmente, e para terminar, e interessante notar que a história recente do combate a variola é também caracterizada por bons resultados.Na verdade a varíola é um dos (poucos) casos de sucesso da Organização mundial de saude em termos de erradicação de doenças infecciosas. De facto, a OMS foi capaz de erradicar a varíola em mais ou menos uma década e a doença foi dada como ‘extinta’ em 1980.... de tal modo que a nova geração nem recebeu a vacina para a doença, com consequências óbvias em termos de potencial para ataques terroristas.... mas isso é outra história!

Baseado em ‘From Rússia with trepidation’, New Scientist de 24 de Março

Mais informação sobre a varíola no site da OMS (in english)
http://www.who.int/mediacentre/factsheets/smallpox/en/

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